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Regulamentação do mercado de carbono e efeitos jurídicos da classificação de seus ativos

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Após duros embates no Congresso, o mercado de carbono brasileiro foi regulado pela Lei Federal nº 15.042/2024, em dezembro de 2024. Com potencial ao protagonismo, o país instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) sob incerteza aos olhos dos juristas a respeito da natureza jurídica de seus ativos e, em decorrência, seus efeitos.

Por um lado, a lei é clara ao, acertadamente, definir o crédito de carbono de origem florestal como fruto civil, enquanto os seus outros ativos — Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs) e Cota Brasileira de Emissões (CBEs) — têm natureza jurídica ainda indeterminada. Por outro lado, a lei prevê que todos os ativos devem ser considerados como valores mobiliários quando negociados no mercado financeiro e de capitais. Todavia, ainda há incertezas sobre tais definições, que dependem de regulamentação para que possam trazer segurança jurídica e previsibilidade ao mercado.

Preliminarmente, é crucial compreender o papel dos ativos criados por meio do SBCE, quais sejam: o Crédito de Carbono; CRVEs; e a CBE. Destes, apenas os dois últimos integram efetivamente o SBCE, enquanto o crédito de carbono opera no âmbito do mercado voluntário [1].

Quanto à definição destes ativos, a CBE é uma permissão distribuída pelo órgão gestor da SBCE para emitir CO2 — em que 1 CBE equivale a 1 tCO2e — dada à emissores que emitam mais de 25 mil tCO2e. Caso o emissor emita menos do que recebeu de cotas, ele poderá vender o equivalente tanto para outro agente, que excedeu suas emissões, dentro do sistema do SBCE ou no mercado voluntário.

Já a CRVE é o certificado representativo da efetiva redução de emissões ou remoção de GEE de 1 tCO2e de um projeto sustentável que segue as metodologias credenciadas pelo SBCE, pela própria definição do artigo 2º, III, da Lei 15.042/24. Ou seja, é um certificado que atesta o enquadramento do projeto a uma metodologia do SBCE e, portanto, ao agente é concedido o direito a gerar esses créditos em quantidade equivalente à redução de emissões constatada.

Créditos de carbono

Diferentemente da CBE e CRVE, os créditos de carbono, ativos exclusivos do mercado voluntário, são certificados autônomos transacionáveis que comprovam a não emissão ou a retirada de gases de efeito estufa (GEE) da atmosfera, em que cada crédito representa uma tonelada de CO2 equivalente evitada ou retirada (artigo 2º, III, da Lei 15.042/24). Portanto, um agente pode espontaneamente elaborar um projeto condizente aos requisitos da metodologia de uma certificadora internacional e emitir os créditos após a confirmação de sua veracidade.

Dada à interoperabilidade entre os créditos do mercado voluntário e o SBCE, estes podem ser convertidos em CRVEs, desde que originados a partir de metodologias credenciadas pelo órgão gestor do SBCE, de acordo com o artigo 44, I, da referida Norma Federal. A necessidade de conversão dos créditos de carbono para adentrar às transações no SBCE decorre do fato de que apenas os CRVEs possuem padronização, fungibilidade e regras uniformes exigidas pelo mercado regulado.

Os créditos de carbono do mercado voluntário, em contrapartida, apresentam variação de valor e metodologia, já que o preço por unidade depende do tipo de projeto — como reflorestamento, que tende a gerar créditos mais valorizados em comparação com os créditos provenientes de projetos de energia renovável —, além da certificadora envolvida e do país onde foi desenvolvido. Ressalta-se que essas diferenças dificultarão sua negociação direta no SBCE.

A respeito da natureza jurídica destes ativos, como exposto, a referida norma expressamente definiu, em seu artigo 2º, VII, que “créditos de carbono florestais de preservação ou reflorestamento tem natureza de fruto civil. Assim, “frutos” são bem acessórios, os quais dependem da coisa principal, sendo as utilidades que uma coisa periodicamente produz.

Com efeito, nascem e renascem da coisa (fructus est quidquid nasci et renasci potest), sem que se enseje sua destruição no todo ou em parte (GONÇALVES, Direito Civil 1: Parte Geral.2018). Ou seja, no caso do crédito de carbono florestal, o bem principal é a floresta — dentro da propriedade —, e o rendimento é o periódico serviço ambiental de sequestro de carbono realizado por ela. Rendimento este que se permite comercialização, tendo em vista que os frutos, apesar de ainda não separados do bem principal, podem ser objeto de negócio jurídico (artigo 95, Código Civil).

Consequentemente, com base no artigo 43, § 16º, do Código Civil, a qualificação como fruto civil traz concretos efeitos jurídicos. Sobre esses créditos, aplicam-se as regras gerais dos frutos no direito civil: se colhidos enquanto a propriedade florestal estiver sob usufruto, pertencem ao usufrutuário. Ademais, tendo em vista que são acessórios ao direito real inerente da posse, os créditos de carbono estão unidos a este e, logo, alienações ou onerações do imóvel transmitem igualmente o direito aos créditos gerados — salvo cláusula contrária entre as partes.

Reconhecimento dos créditos de carbono como fruto civil

Reconhecer os créditos de carbono florestais como fruto civil fortalece a proteção jurídica das regiões produtoras destes créditos. Fundamental no sistema do código civil, os frutos são coisas acessórias que seguem a principal na substituição, bem como nas garantias. Usucapião de área florestal e inventário da propriedade, por exemplo, estarão incluídos no acervo patrimonial dos referidos créditos já destacados ou pendentes até a data de averbação.

É uma disposição complementar que auxilia no planejamento sucessório e dá maior segurança ao investidor ambiental: quem compra um imóvel rural com projeto de reflorestamento, por exemplo, sabe que os créditos colhidos após aquisição serão seus até o fim da posse — salvo manifestação contrária. Além disso, segundo estabelecido no artigo 43, § 16º do Marco Legal do Carbono, por ser um fruto civil, os compradores destes créditos não poderão ser responsabilizados por vícios pertinentes aos imóveis em que se desenvolveram os projetos de geração desses créditos, salvo quando comprovada sua atuação com má-fé ou fraude.

Sua natureza como fruto civil também é refletida pela vedação da venda antecipada de créditos de carbono fruto de programas jurisdicionais de REDD+ (artigo 43, § 6º, I, Lei Federal 15.042/24) modalidade de transação comum no ambienta agrário. Isto se deve, pois, os créditos de carbono devem ser atestados pelo SBCE, tendo de ser adicional [2] e cumprir outros requisitos legais da Lei 15.042/24. Desta forma, não há como definir um volume e valor de venda futura de créditos — com obrigação de entrega e preço fixado por tonelada —, os quais ainda não tiveram sua validade verificada.

Em caso análogo, o governo do Pará tentou desenvolver em setembro de 2024, junto com a Coalização LEAF, o desenvolvimento e venda de créditos do REDD+ Jurisdicional no seu território. Todavia, como defendido pelo Ministério Público Federal via Recomendação nº 7/25 publicada sobre este caso, mesmo que não tenha tido pagamento prévio, a estipulação do preço fixo por tonelada, de USD 15,00/ton, caracteriza o contrato como de venda antecipada, segundo a jurisprudência nacional.

Ou seja, a vedação reside no fato de que crédito de carbono não é commodity, justamente porque falta liquidez, disponibilidade imediata e não é independente em relação ao produtor. Com efeito, o crédito de carbono florestal é um bem incorpóreo acessório, que não altera fisicamente o bem principal, sendo direito intangível correlato ao uso da terra, não sendo bens corpóreos padronizados, típico de mercado fungível como as commodities. Assim, a modalidade de contrato permitida é a da venda futura, em que sua validade é condicionada à verificação de resultado obtidos (artigo 43, § 6º, II, Lei Federal 15.042/24), sem definição de preço fixo/determinável.

Definição da natureza jurídica de créditos de carbono

Em contraste com a inequívoca classificação do crédito de carbono florestal como fruto civil, a lei é omissa ao definir a natureza jurídica de créditos de carbono não florestais — como, por exemplo, projetos de energia renovável ou de gestão e descarte de resíduos —, o que demandará regulamentação de norma infralegal para a sua efetiva consolidação.

Por outro lado, a Lei Federal nº 15.042/24 definiu, em seu artigo 14, que os ativos integrantes do SBCE — CRVE e CBE —, assim como os créditos de carbono, são valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei Federal nº 6.385/76 (Lei da Comissão de Valores Mobiliários) quando negociados no mercado financeiro e de capitais. Ou seja, todos os ativos negociados no mercado de carbono no Brasil têm natureza jurídica de valor mobiliário, mesmo os créditos de carbono florestal que têm natureza jurídica de fruto civil.

Logo, essa classificação garante maior segurança jurídica, assim como abre caminhos para investimentos nos projetos de geração de créditos de carbono. No caso, o reconhecimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como reguladora da negociação dos créditos traz mais transparência ao sistema.

Na prática, a classificação do ativo como valor mobiliário induz a necessidade de que a comercialização destes ativos atenda aos critérios da transparência, rastreabilidade, metodologia clara e integridade. Com isso, a CVM assume a responsabilidade de definir normas e procedimentos para a negociação de créditos de carbono e ativos do SBCE nos mercados financeiro e de capitais, conforme estabelecido nos artigos 15 e 16 da Lei Federal nº 15.042/24.

Ademais, compete à Comissão determinar a escrituração destes ativos em instituições financeiras e realizar o seu registro de titularidade, ainda que facultativa a competência de estabelecer a obrigatoriedade da escrituração dos ativos. Consequentemente, o caráter facultativo contrasta com os inúmeros riscos inerentes em transações de valores mobiliários, deixando aos emissores a responsabilidade de escriturar tais ativos.

Segurança jurídica do investidor

Portanto, compreende-se que a definição do crédito de carbono florestal como fruto civil pela Lei Federal nº 15.042/2024 foi acertada e adequada ao seu caráter acessório e vinculado à prestação periódica de serviço ambiental realizado pela floresta na captação de carbono. Assim, essa definição fortalece a segurança jurídica do investidor, assegura proteção patrimonial ao titular do imóvel e estabelece diretrizes clara quanto à titularidade e transmissibilidade desses ativos.

Ademais, verifica-se que a regulamentação da lei é necessária. Ao ser classificado como valor mobiliário ao ser negociado no mercado financeiro, impõe-se a necessidade de maior padronização, transparência e rastreabilidade. O crédito de carbono, por exemplo, é gerado e vendido dentro da economia real, ligadas à produção, comercialização e consumo de bens e serviços tangíveis e ainda é preciso trazê-lo ao mercado mobiliário — como ações, contratos futuros, derivativos etc.

Assim, diante da notória lacuna legal sobre os processos de transação desses ativos, o pleno funcionamento do mercado ainda depende de regulamentações complementares — em especial no que se refere aos mecanismos operacionais que permitam a efetiva integração entre os mercados voluntário e regulado, bem como sua adequação ao mercado mobiliário. A responsabilidade por essa regulamentação caberá, em grande parte, à CVM.


[1] Resolução CVM nº 223/2024. 19. O mercado voluntário é aquele em que transações entre as partes interessadas em negociar são efetuadas de forma espontânea, livre de qualquer interferência governamental e motivadas pelo exercício de interesses discricionários entre as partes envolvidas na transação.

[2] O princípio da adicionalidade exige que os projetos de carbono gerem reduções de emissões que não ocorreriam sem os incentivos do mercado. Ou seja, os créditos só são válidos se a ação for extra ao cenário usual