Quais os impactos de IBS/CBS e IS nos tributos a serem substituídos (IPI, ICMS, ISS e IOF-Seguros) durante a transição?
A reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional (EC) 132/2023 substituirá o antigo modelo de múltiplos tributos sobre o consumo por um IVA-dual composto por IBS/CBS, além de instituir o Imposto Seletivo (IS).
IBS/CBS terão início em 2026, com uma alíquota-teste de 1%, cujo pagamento será dispensado ou compensado com PIS/Cofins. Em 2027, serão extintos PIS/Cofins, IOF-Seguros e IPI (salvo para produtos da Zona Franca de Manaus) e começará a ser cobrado o IS. A partir de 2029, ICMS e ISS serão gradualmente reduzidos, até a sua eliminação ao final de 2032.
A transição, portanto, estará concluída em 2033.
Apesar da regulamentação pela Lei Complementar (LC) 214/2025, há um tema premente a ser resolvido: IBS/CBS deverão compor as bases de cálculo daqueles demais tributos a serem substituídos?
A dúvida surge porque a EC 132 retirou PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS da base de cálculo de IBS/CBS, mas não previu regra simétrica no sentido inverso. Havia dispositivo sobre o tema na proposta de emenda constitucional, mas o texto foi suprimido na redação final.
A EC 132 também excluiu IBS/CBS das suas próprias bases (tax-exclusive) e das bases de PIS/Cofins e IS. Disse, ainda, que o IS deve ser incluído no ICMS, no ISS e nas bases de IBS/CBS. Silenciou, porém, sobre IBS/CBS nas bases de IPI, ICMS, ISS e IOF-Seguros durante os próximos anos.
Por conta disso, apresentou-se o Projeto de Lei Complementar (PLP) 16/2025, visando tornar explícito que IBS/CBS não entram nas bases do IPI e do ICMS. O PLP 16 nada falou sobre ISS e IOF-Seguros, além de estar parado no Congresso Nacional.
O que fazer?
Pernambuco diz que IBS/CBS entram no cálculo do ICMS. São Paulo também, mas não em 2026, pois haverá ônus tributário adicional nesse período. Distrito Federal dá a entender que a inclusão iria contra a lógica da reforma tributária.
No ano teste de 2026, de fato, não há sentido incluir IBS/CBS nas bases dos outros impostos, pois, nesse período, a compensação ou dispensa de pagamento dos novos tributos visa a não alterar a carga tributária sobre fornecimentos de bens e serviços.
A nosso ver, porém, mesmo para os anos seguintes não há razão para a inclusão, especialmente à luz dos princípios da simplicidade, da transparência e da neutralidade tributária, que inspiram e juridicamente condicionam a aplicação das normas legais e constitucionais relativas ao novo sistema de tributação do consumo.
Se nos detivermos ao texto legal, notaremos que:
1) O Constituinte de 1988 tratava apenas da possibilidade de inclusão do IPI na base de cálculo do ICMS (artigo 155, § 2º, XI), quando o produto industrializado é destinado a consumo final. Tratou a incidência tributária “em cascata”, portanto, como exceção;
2) O ICMS só é calculado “por dentro” (tax-inclusive) porque assim está previsto em lei, desde o Ato Complementar nº 27/1966 e na Lei Kandir, sendo autorizado pela Constituição que lei complementar defina a base de cálculo dos impostos;
3) Não há norma constitucional, tampouco lei complementar, autorizando o cálculo “por dentro” para IPI, ISS e IOF-Seguros, muito menos a inclusão de outros tributos nas suas bases; e
4) Nas importações, a legislação prevê que ICMS e IPI incluam outros tributos “aduaneiros” nas suas bases. Não deveriam entrar, por consequência, tributos cujo propósito seja equalizar / nivelar a carga do produto importado com o nacional.
É importante que nos desarmemos de verdades pré-concebidas para lidar com o tema. Ditas verdades costumam ser repetidas sem nenhuma preocupação com a existência ou não de reais fundamentos que as sustentem. Por exemplo:
a) Não é verdadeiro que o ICMS, ao adotar o “valor da operação” ou o “preço do serviço” como base de cálculo, automaticamente abarcaria todos os demais tributos incidentes na operação e cobrados do cliente;
b) O próprio IPI adota como base o “valor da operação”, mas não incide “por dentro”. Não obstante a ausência de previsão legal explícita e a previsão constitucional apenas para a situação inversa, há entendimento consolidado que defende a sua incidência sobre o ICMS, o que parece equivocado;
c) O ISS onera o “preço do serviço” e não há lei que o inclua na própria base. O Decreto-Lei nº 406/1968, quando regulava o ICM e o ISS, era claro em prever que somente o imposto estadual integrava a própria base. Ainda assim, há quem acredite no cálculo “por dentro” do ISS, professando a sua fé em um precedente do STJ isolado e emitido há mais de trinta anos;
d) Por sua vez, o IOF-Seguros incide sobre o “valor do prêmio” e jamais se cogitou o seu cálculo “por dentro”. Tampouco a inclusão de outros tributos na sua base, o que poderia vir a ocorrer com o início da incidência de IBS/CBS sobre esse tipo de transação; e
e) Não é verdadeiro dizer que o ICMS incide sobre PIS/Cofins. Juridicamente, não há previsão nesse sentido. As duas contribuições poderão compor o preço praticado na operação, a depender do poder econômico das partes envolvidas; se não, representarão custo a ser absorvido pelo contribuinte.
A realidade do nosso sistema pré-reforma e a prática internacional (SCHENK e OLDMAN, 2001; e VALADÃO, 2006), evidenciam que tributos sobre o valor agregado não são obrigatoriamente tax-inclusive ou tax-exclusive. Cada um desses métodos tem vantagens e desvantagens.
Em primeiro lugar, não há dúvidas sobre a diferença de complexidade. A substituição do sistema atual por um IVA-dual “por fora” é um marco no desejo institucional do Brasil de evoluir para um modelo mais simples de incidência. Aceitar a tributação “em cascata” como normal, nesse novo contexto, é um desserviço ao desenvolvimento do país.
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Do ponto de vista da transparência, a escolha por uma ou outra técnica interfere diretamente na compreensão e na aceitação do tributo por parte do contribuinte e do consumidor.
A tributação “por dentro” torna opaca a carga tributária aos olhos dos agentes econômicos. Tanto assim que a nossa lei de transparência fiscal (Lei nº 12.741/2012) conformou-se com a “informação aproximada” dos tributos nas vendas e ofertas de serviços ao consumidor, porque o nosso caótico sistema não permitiria outra saída para atender ao artigo 150, § 5º, da Constituição.
Richard M. Bird (2010) alcunha de hidden taxes os tributos incluídos nas suas próprias bases, defendendo que essa sua ocultação torna a tributação menos democrática, provocando uma “anestesia fiscal” (tax anaesthesia), em contraposição à “consciência fiscal” (tax consciousness) presente quando se adota a técnica tax-exclusive. Tal consciência se reflete em decisões mais claras de compra, como mostram alguns estudos empíricos (FELDMAN e RUFFLE, 2012; CHETTY, LOONEY e KROFT, 2009; e SHY, 2024).
A melhor consciência e compreensão torna a tributação mais neutra, pois minimiza distorções nas decisões de consumo e de organização da atividade econômica, objetivo esse materializado na Constituição não apenas em relação a IBS/CBS, mas para todo o sistema tributário nacional (artigo 146-A).
Sob a perspectiva da simplicidade, da transparência e da neutralidade, portanto, não faz sentido que os novos tributos sobre o consumo componham as bases de cálculo de nenhum dos impostos que serão por eles substituídos. E isto nem em 2026, tampouco nos anos vindouros até que se encerre, em 2032, a longa transição que se apresenta à nossa frente.