Depois de quase 30 anos de trégua, os dividendos voltaram para o radar do Imposto de Renda – e justamente no bolso de quem recebe mais.
A chamada “reforma da renda” para altas rendas nasceu no PL 1.087/2025, enviado pelo governo ao Congresso e hoje já transformado na Lei nº 15.270/2025, que altera as Leis 9.250/1995 e 9.249/1995 para criar um imposto mínimo para altas rendas e reinstituir a tributação periódica sobre lucros e dividendos.
De onde viemos: dividendos isentos desde 1996
O ponto de partida é 1996.
Desde então, o artigo 10 da Lei nº 9.249/1995 determina que:
“Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996 (…) não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário.”
Na prática, por quase três décadas:
- empresas pagavam IRPJ/CSLL sobre o lucro;
- e os dividendos chegavam isentos à pessoa física – fosse pequeno investidor de bolsa, fosse o sócio de uma empresa de serviços que retira grande parte da renda como lucros.
Essa “anomalia brasileira” virou alvo declarado da equipe econômica e está no centro da nova lei.
O que muda com o PL 1.087/25 e a Lei 15.270/2025
O pacote aprovado tem três grandes eixos:
- Ampliação da isenção do IRPF
– quem ganha até R$ 5.000 por mês passa a ficar isento de IR a partir de 2026. - Criação de um Imposto de Renda Mínimo (IRPFM)
– um piso de alíquota efetiva entre 0% e 10% para quem soma mais de R$ 600 mil por ano em rendimentos. - Tributação periódica de lucros e dividendos
– com foco em altas distribuições.
Para quem vive de dividendos, o terceiro eixo é o que muda o jogo.
Dividendos: continua isento para muitos, muda para quem recebe muito
Segundo o texto aprovado pela Câmara e consolidado na Lei nº 15.270/2025, a regra para pessoas físicas residentes no Brasil é:
- A partir de 1º de janeiro de 2026
- se uma mesma empresa pagar, no mês,
- mais de R$ 50.000 em lucros e dividendos para uma mesma pessoa física,
haverá retenção de 10% de Imposto de Renda na fonte, apenas sobre a parte que exceder esse limite.
O piso de R$ 50 mil é por mês, por CPF, por CNPJ.
Ou seja, não se olha o “bolo” total distribuído, e sim quanto cada sócio, individualmente, recebe daquela empresa no mês.
Como funciona a retenção? Exemplos práticos
Exemplo 1 – R$ 60.000 de dividendos no mês (mesma empresa, mesmo sócio)
- Em janeiro/2026, a Empresa X distribui R$ 60.000 em dividendos para um sócio pessoa física.
- Limite de isenção mensal por empresa/CPF: R$ 50.000.
- Excedente tributável = 60.000 – 50.000 = R$ 10.000.
- IRRF (10%) = 10% × 10.000 = R$ 1.000.
👉 O sócio recebe R$ 59.000 líquidos, e os R$ 1.000 ficam como antecipação para o ajuste anual.
Exemplo 2 – R$ 80.000 de dividendos para um único sócio
- Em fevereiro/2026, a mesma empresa paga R$ 80.000 ao mesmo sócio.
- Limite: R$ 50.000
- Excedente: 80.000 – 50.000 = R$ 30.000
- IRRF: 10% × 30.000 = R$ 3.000
👉 O sócio recebe R$ 77.000, com R$ 3.000 retidos na fonte.
Exemplo 3 – Dois sócios, mesmo total distribuído
- Em março/2026, a empresa decide distribuir R$ 80.000 em dividendos.
- Sócio A recebe R$ 40.000.
- Sócio B recebe R$ 40.000.
Para cada CPF:
- Total mensal recebido daquela empresa = R$ 40.000
- Como está abaixo de R$ 50.000, não há excedente → não há retenção de 10% na fonte.
Aqui está o recado central para empresários e planejadores:
“Tributa por sócio, não por empresa.”
O limite de R$ 50 mil/mês é individual, por empresa, por pessoa física.
Exemplo 4 – Mesmo sócio, duas empresas diferentes
- Carlos recebe R$ 40.000/mês em dividendos da Empresa A.
- E mais R$ 40.000/mês da Empresa B.
Por empresa:
- A paga 40.000 (≤ 50.000) → sem excedente, sem retenção.
- B paga 40.000 (≤ 50.000) → idem.
Carlos soma R$ 80.000/mês em dividendos, mas escapa da retenção mensal porque, em cada CNPJ separadamente, não ultrapassa o piso.
Isso não significa que ele esteja “livre” no ano: esses rendimentos entram na conta do imposto mínimo anual.
O imposto mínimo para altas rendas (IRPFM)
Além da retenção mensal sobre dividendos elevados, a Lei nº 15.270/2025 criou um imposto de renda mínimo para altas rendas, aplicável a contribuintes cuja renda anual ultrapasse R$ 600.000.
A lógica é:
- até R$ 600.000/ano em rendimentos considerados → alíquota mínima = 0%;
- entre R$ 600.000 e R$ 1.200.000/ano → a alíquota sobe linearmente de 0% a 10%, segundo a fórmula prevista no projeto (mantida na lei):
Alíquota % = (REND / 60.000) – 10
- a partir de R$ 1.200.000/ano, a alíquota mínima fica em 10% sobre essa base ampliada.
“REND” é a soma anual de vários tipos de rendimentos da pessoa física – salários, dividendos, rendimentos financeiros, JCP etc. –, com algumas exclusões específicas definidas na própria lei.
O que já foi retido ao longo do ano, incluindo os 10% sobre o excedente de R$ 50 mil mensais, entra como crédito na declaração. Se o contribuinte já tiver pago mais do que o “mínimo” calculado pelo IRPFM, terá direito à restituição; se tiver pago menos, complementa.
A regra de transição: “corrida pelas atas” em 2025
Para suavizar a mudança, a Lei nº 15.270/2025 trouxe uma regra de transição para lucros apurados até 2025. Numa síntese, o que vem sendo repetido em análises de escritórios e na cobertura da imprensa econômica é:
- Lucros apurados até 31 de dezembro de 2025
podem continuar sob o regime antigo de isenção, - desde que a distribuição desses lucros seja formalmente deliberada (ata, assembleia, reunião de sócios) até 31/12/2025;
- para pessoas físicas residentes no Brasil, o pagamento desses dividendos “carimbados” poderá ocorrer ao longo dos anos seguintes (até 2028, segundo boa parte dos materiais técnicos), sem sujeição à nova retenção de 10% na fonte.
Há um conflito prático com a regra societária, que normalmente permite até quatro meses do ano seguinte para aprovação de contas e distribuição de dividendos.
Na prática, o efeito foi imediato:
empresas e seus consultores correram para revisar balanços, estimar lucros de 2025 e preparar atas ainda dentro do ano, numa tentativa de “travar” a isenção histórica sobre uma fatia do resultado.
É aí que entra a mensagem que você quer passar no seu material:
2025 é o ano de revisar lucros acumulados e, se fizer sentido, deliberar formalmente a distribuição em ata para preservar a isenção sobre o que foi gerado até aqui.
Sempre com um cuidado importante: deliberação sem lastro contábil ou atas “de fachada” tendem a ser vistas como planejamento abusivo, o que aumenta o risco de autuação.
Quem sente mais no dia a dia
Os especialistas têm apontado alguns grupos mais expostos à nova tributação de dividendos:
- profissionais liberais de alta renda (médicos, advogados, consultores) que atuam por meio de PJs no presumido ou no Simples e retiram grande parte da renda como lucros;
- empresas com sócio único, que concentram distribuições mensais altas em um CPF;
- famílias com estruturas de holding patrimonial que hoje se beneficiam de grandes distribuições isentas.
Já sociedades com vários sócios e distribuição relativamente equilibrada de lucros tendem a ter impacto menor na retenção mensal – embora ainda possam ser alcançadas pelo imposto mínimo anual se a soma de rendimentos individuais passar dos R$ 600 mil.
E o que as empresas podem fazer agora?
Do ponto de vista de planejamento – sempre dentro da lei –, alguns movimentos típicos ganham força:
- Mapear e documentar lucros até 2025
Revisar balanços, reservas de lucros e lucros acumulados.
Onde fizer sentido econômico, deliberar a distribuição em ata ainda em 2025, para preservar a isenção histórica. - Desenhar a política de dividendos a partir de 2026
Simular quanto cada sócio recebe por mês, por empresa;
avaliar se é possível manter cada CPF abaixo de R$ 50 mil/mês por CNPJ, evitando retenção desnecessária. - Combinar instrumentos
Reavaliar o mix entre:
– pró-labore (com efeitos previdenciários),
– dividendos,
– e eventualmente juros sobre capital próprio, cuja dedutibilidade no IRPJ/CSLL continua sendo um fator relevante em algumas estruturas. - Monitorar o IRPFM
Para contribuintes que se aproximam de R$ 600 mil/ano, o foco deixa de ser só “quanto a empresa paga”, e passa a ser o conjunto da renda da pessoa física.
Em resumo
- Desde 1996, dividendos vinham isentos por força do art. 10 da Lei nº 9.249/95.
- Com o PL 1.087/2025, transformado na Lei nº 15.270/2025, o Brasil passa a:
- manter a isenção até R$ 50 mil/mês por empresa, por sócio,
- tributar em 10% o que exceder esse limite, via retenção na fonte,
- e ainda aplicar um imposto mínimo anual para quem ganha mais de R$ 600 mil/ano.
- Há uma janela em 2025 para preservar a isenção sobre lucros apurados até 31/12/2025, desde que a distribuição seja deliberada em ata ainda este ano – tema que virou pauta urgente em conselhos, diretoria e reuniões com contadores.