No momento, você está visualizando Créditos tributários em xeque: STJ provoca corrida dos contribuintes para compensação

Créditos tributários em xeque: STJ provoca corrida dos contribuintes para compensação

  • Autor do post:

Em 13 de maio, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 2.178.201/RJ, inovou no marco temporal para a compensação de créditos tributários reconhecidos judicialmente. Agora, todas as declarações de compensação, denominadas “PER/DCOMP”, devem ser transmitidas no prazo de cinco anos a contar do trânsito em julgado, ressalvando-se apenas o intervalo entre o pedido de habilitação e seu deferimento pela Receita Federal.

A decisão, embora, até o momento, não tenha efeito vinculante, representa um relevante overruling da própria jurisprudência da 2ª Turma, a qual, anteriormente, admitia que a compensação ocorresse até o exaurimento do crédito tributário, bastando que a habilitação se iniciasse dentro do quinquênio após a certificação do trânsito em julgamento [1]. Sendo assim, o que antes representava um direito patrimonial do contribuinte — a utilização de seu crédito de forma fracionada e eficiente, bastando atentar ao prazo de habilitação — agora está sob risco de prescrição parcial ou total, caso não aproveitado integralmente dentro do novo prazo estabelecido.

Uma das justificativas invocadas para a adoção desse novo posicionamento foi a necessidade de alinhamento com a jurisprudência da 1ª Turma do STJ, que já vinha decidindo nesse mesmo sentido, notadamente nos Recursos Especiais nº 1.729.860/SC, 2.164.744/SP e 2.105.426/SC.

A convergência de entendimento das Turmas do STJ inaugura a tendência da Corte de aplicar o prazo prescricional de cinco anos não apenas para o início do procedimento, mas a cada transmissão individual de PER/DCOMP.

Compensação tributária

Há pouco tempo, a compensação tributária teve destaque nas discussões, após a conversão da Medida Provisória nº 1.202/2023 na Lei nº 14.873/2024, que limitou a utilização de créditos oriundos de decisão judicial acima de R$ 10 milhões e foi objeto de diversas críticas.

Entretanto, o que mais preocupa não é a alteração em si, que pode ser juridicamente razoável sob a ótica da segurança jurídica da Fazenda Pública. O que inquieta é o contexto sistêmico no qual esta mudança se insere: o crescente estreitamento das portas do Judiciário para os contribuintes.

É de conhecimento geral que nos últimos anos o Fisco tem levado a melhor na grande maioria das discussões tributárias, pois, ainda quando o contribuinte logra êxito na discussão, a modulação de efeitos nem sempre lhe favorece.

A título exemplificativo, a modulação de efeitos na ADC 49 é um caso emblemático, no qual o STF decidiu que não incide ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Embora represente uma grande vitória para os contribuintes, o colegiado modulou os efeitos da decisão para que ela só produzisse efeitos a partir do exercício financeiro de 2024. Isso significa que as empresas que não agiram preventivamente, com discussões judiciais ou administrativas previamente à publicação do acórdão de mérito (29/04/2021), perderam o direito de reaver o ICMS pago indevidamente em transferências anteriores a essa data.

Em contrapartida, destaca-se o entendimento favorável ao Fisco consagrado nos Temas 881 e 885 da Repercussão Geral, segundo o qual as decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas em favor de contribuintes no âmbito de ações individuais, perdem automaticamente sua eficácia diante de superveniente julgamento do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou de repercussão geral, com entendimento contrário.

Relação entre Fisco e contribuinte

Não obstante a relação entre Fisco e contribuinte venha se tornando, nos últimos anos, mais próxima e colaborativa na esfera administrativa, notadamente pela ampliação dos programas de transação, as decisões proferidas pelo Poder Judiciário ainda revelam significativa assimetria nesse contexto.

As discussões tributárias submetidas ao crivo judicial tendem a se prolongar por longos anos, o que pode resultar no acúmulo expressivo de créditos pelos contribuintes. Um caso emblemático é a chamada “tese do século” (Tema 69), cujo desfecho demandou mais de duas décadas e, durante esse período, poucos contribuintes obtiveram decisões liminares que autorizassem a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins e, após a decisão do STF, muitas empresas apuraram valores significativos para fins de compensação.

O entendimento que vem sendo consolidado pelas Turmas do STJ revela que, mesmo os créditos tributários reconhecidos judicialmente e com trânsito em julgado, devem ser utilizados dentro de um prazo rígido, sob pena de perecimento parcial — o que contraria frontalmente a lógica de certeza, liquidez e disponibilidade que historicamente fundamenta o direito à repetição do indébito tributário.

A ironia é evidente: em um cenário no qual os contribuintes já não obtêm vitórias com frequência, quando finalmente vencem, são submetidos a restrições temporais e procedimentais cada vez mais severas. A compensação de créditos transformou-se em uma verdadeira corrida contra o relógio, agravada pela morosidade da própria administração tributária, que, não raras vezes, leva anos para decidir sobre pedidos administrativos. O contribuinte vence, mas não leva.

Segurança de conquistas judiciais

No cenário atual, o contribuinte já não pode contar com a segurança de suas conquistas judiciais, pois o que antes se apresentava como vitória consolidada passou a exigir atenção redobrada, com a necessidade de revisão imediata dos processos de compensação em andamento, protocolo tempestivo de todas as PER/DCOMP no prazo de cinco anos — observando-se eventuais períodos suspensivos decorrentes da habilitação — e priorização na utilização dos créditos para evitar perdas por prescrição.

O entendimento de que é possível pleitear a restituição por meio de precatórios após decisão favorável em ação ordinária com trânsito em julgado pode estimular o ajuizamento desse tipo de demanda, especialmente em casos que envolvem valores expressivos. Isso porque essa via contorna os entraves práticos impostos pelo novo formato de compensação, oferecendo uma alternativa eficaz para a efetivação de créditos tributários reconhecidos judicialmente.

Ainda assim, trata-se de uma alternativa que exige cautela. Diferentemente do mandado de segurança — que não implica condenação em honorários advocatícios mesmo em caso de denegação da segurança —, as ações ordinárias expõem o contribuinte à possibilidade de arcar com custas e honorários de sucumbência. Esse aspecto ganha relevância em um cenário de grande instabilidade jurisprudencial, em que os entendimentos variam ao longo do tempo e entre diferentes instâncias. Por isso, o risco financeiro da demanda torna-se um fator decisivo e, em muitos casos, a simples perspectiva de uma eventual condenação em honorários é suficiente para desestimular o ajuizamento — ainda que a tese seja juridicamente sólida e com boas chances de êxito.

O resultado é um verdadeiro paradoxo: de um lado, o contribuinte que obtém decisão favorável em mandado de segurança pode ser impedido de exercer plenamente o direito reconhecido, caso não consiga realizar a compensação dentro do prazo de cinco anos. De outro, ao considerar a ação ordinária como alternativa, enfrenta um risco econômico significativo, sobretudo em teses cuja jurisprudência ainda se mostra instável ou dividida.

Flexibilidade para regularização de débitos fiscais

Paralelamente, observa-se um recente movimento de maior aproximação entre o Fisco e os contribuintes, conforme suscitado anteriormente, especialmente com a criação e ampliação dos programas de transação tributária. Estruturados para oferecer maior segurança jurídica, previsibilidade e flexibilidade na regularização de débitos fiscais, esses programas têm atraído muitos contribuintes que, diante da possibilidade concreta de reduzir encargos, alongar prazos e negociar condições mais adequadas à sua realidade financeira, optam por esse caminho em vez do enfrentamento judicial.

Nesse contexto, merece destaque a possibilidade de utilizar créditos tributários para abater os valores negociados nos programas de transação. Essa alternativa é particularmente interessante para contribuintes que já possuem créditos reconhecidos judicialmente, já que, com a recente imposição de uma janela temporal de cinco anos para a utilização desses créditos via PERD/COMP, é natural que estratégias sejam revistas e novas formas de garantir a efetividade dos direitos sejam buscadas, evitando a perda de créditos assegurados por decisão judicial.

Uma consequência prática desse cenário é a tendência de expansão nas negociações envolvendo precatórios ou créditos tributários passíveis de utilização nos programas de transação. Trata-se de um mercado já existente, mas que tende a se intensificar à medida que cresce a insegurança quanto ao aproveitamento direto desses créditos. Mesmo diante de riscos administrativos ou incertezas processuais, a cessão ou aquisição de créditos passa a ser considerada com mais frequência como uma alternativa viável para assegurar o reconhecimento e a concretização de direitos, além de funcionar como instrumento de otimização do passivo fiscal, fomentando um novo ciclo de soluções criativas no campo da gestão tributária.